Conheça história e as obras de Santa Dulce dos Pobres

Aos 13 anos, Maria Rita de Souza Brito Lopes transformou a casa dos pais, o dentista Augusto Lopes Pontes e Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes, num lar de acolhida e atendimento a mendigos e doentes. Situada à rua da Independência, 61, no bairro Nazaré, de Salvador-BA, a casa ficou conhecida como ‘A Portaria de São Francisco’, tal o número de carentes que se aglomeravam a sua porta. O gesto é o embrião de uma vida virtuosa, desde cedo inclinada à santidade.

Trata-se de um entre tantos fatos na biografia de Irmã Dulce, conhecida como o Anjo Bom da Bahia, que em celebração presidida pelo Papa Francisco, no Vaticano, no dia 13 de outubro de 2019, foi elevada aos altares na condição de Santa Dulce dos Pobres. O anúncio de sua canonização aconteceu dia 1º de julho, quando o Papa presidiu, na Sala Clementina, no Vaticano, o Consistório Ordinário Público para a Canonização da Bem-Aventurada e de outros quatro beatos.

Para o arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a canonização da Irmã Dulce é um grande presente para toda a Igreja no Brasil, de modo especial para a Igreja na Bahia, mas também para toda sociedade. Dom Walmor destaca o caráter exemplar de sua biografia. “Ela é exemplar na fé incondicional em Deus e exemplar no desdobramento autêntico de sua fé que se traduz no cuidado com os mais pobres. Por isto é elevada à glória dos altares”, disse.

Segunda filha, ao nascer em 26 de maio de 1914, em Salvador, Irmã Dulce recebeu o nome de Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes. A menina Maria Rita foi uma criança cheia de alegria, adorava brincar de boneca, empinar arraia e tinha especial predileção pelo futebol – era torcedora do Esporte Clube Ypiranga, time formado pela classe trabalhadora e os excluídos sociais.

A vocação para trabalhar em benefício da população carente teve a influência direta da família, uma herança do pai que ela levou adiante, com o apoio decisivo da irmã, Dulcinha. Além da inclinação para doar-se ao serviço solidário, na adolescência também manifestou, pela primeira vez, após visitar com uma tia em áreas onde habitavam pessoas pobres, o desejo de se dedicar à vida religiosa.

Em 8 de fevereiro de 1933, logo após a sua formatura como professora, Maria Rita entrou para a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão, em Sergipe. Em 13 de agosto de 1933, recebe o hábito de freira das Irmãs Missionárias e adota, em homenagem a sua mãe, o nome de Irmã Dulce.

A primeira missão de Irmã Dulce como freira foi ensinar em um colégio mantido pela sua congregação, no bairro da Massaranduba, na Cidade Baixa, em Salvador. Mas, o seu pensamento estava voltado mesmo para o trabalho com os pobres. Já em 1935, dava assistência à comunidade pobre de Alagados, conjunto de palafitas que se consolidara na parte interna do bairro de Itapagipe.

Nessa mesma época, começa a atender também os operários que eram numerosos naquele bairro, criando um posto médico e fundando, em 1936, a União Operária São Francisco – primeira organização operária católica do estado, que depois deu origem ao Círculo Operário da Bahia.

Em 1937, funda, juntamente com Frei Hildebrando Kruthaup, o Círculo Operário da Bahia, mantido com a arrecadação de três cinemas que ambos haviam construído através de doações – o Cine Roma, o Cine Plataforma e o Cine São Caetano. Em maio de 1939, Irmã Dulce inaugura o Colégio Santo Antônio, escola pública voltada para operários e filhos de operários, no bairro da Massaranduba.

Quando faleceu, em 13 de março de 1992, Irmã Dulce deixou um legado não apenas de fé, mas um conjunto de obras de caridade e socioassistenciais que ergueu graças a seu incansável trabalho de doação aos maios pobres.

O legado da Santa Dulce dos pobres em suas obras sociais

As raízes da Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) datam de 1949, quando sem ter para onde ir com 70 doentes, a religiosa pediu autorização a sua superiora para abrigar os enfermos em um galinheiro situado ao lado do Convento Santo Antônio. O episódio fez surgir a tradição de que o maior hospital da Bahia nasceu a partir de um simples galinheiro. Mais precisamente as OSID nasceram no dia 26 de maio de 195.

Atualmente, a entidade filantrópica abriga um dos maiores complexos de saúde 100% SUS do país, com cerca de 3,5 milhões de procedimentos ambulatoriais por ano, na Bahia, a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), idosos, pessoas com deficiência e com deformidades craniofaciais, pessoas em situação de rua, usuários de substâncias psicoativas e crianças e adolescentes em situação de risco social.

A organização conta com 21 núcleos que prestam assistência à população de baixa renda nas áreas de Saúde, Assistência Social, Pesquisa Científica, Ensino em Saúde, Educação e na preservação e difusão da história de sua fundadora. Também conhecida como Complexo Roma, a sede das Obras em Salvador abriga, em seus 40 mil metros quadrados de área construída, incluindo 954 leitos hospitalares para o atendimento de patologias clínicas e cirúrgicas.

Dos núcleos, 19 apresentam atuação no campo da Saúde, a exemplo do Hospital Santo Antônio, Centro Geriátrico, Hospital da Criança, Unidade de Alta Complexidade em Oncologia, Centro de Acolhimento à Pessoa com Deficiência e Centro Especializado em Reabilitação e do Centro de Acolhimento e Tratamento de Alcoolistas. Somente no Complexo Roma são contabilizados por ano cerca de 2,2 milhões de procedimentos ambulatoriais.

Ainda na sede das Obras Sociais, local que atende diariamente cerca de 2 mil pessoas, são realizadas por ano 12 mil cirurgias, além de 18 mil internamentos. Atualmente, mais de 4,3 mil profissionais trabalham na organização, sendo 2,8 mil funcionários somente no complexo da capital baiana, local onde atuam ainda 300 médicos e 300 voluntários. A atenção integral, multidisciplinar e humanizada é uma das características do atendimento prestado pelas Obras Sociais Irmã Dulce.

Maria Rita Pontes, sobrinha que conviveu com irmã Dulce desde seu nascimento, é hoje a Superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce. Ela lembra-se da incansável rotina de Irmã Dulce: “apesar dos problemas de saúde e da fragilidade física, acordava às 5h, comia muito pouco, visitava os doentes do hospital, conversava com os médicos, resolvia as questões administrativas e só depois saía para pedir doações. Rezava o terço diariamente.” A oração era uma constante em seu dia-a-dia, disse.

A atual superintendente das OSID descreve irmã Dulce como uma pessoa alegre, espirituosa, abnegada, perseverante e de profunda fé em Deus e na humanidade. “Para ela não existia a palavra impossível quando se tratava das necessidades dos pobres que batia à sua porta”, destacou.

Irmã Dulce, lembra-se sua sobrinha, dizia ver o próprio Cristo nas pessoas a quem se doava. “Era uma pessoa que tinha uma capacidade enorme de ouvir as pessoas, ouvir atentamente, com carinho e atenção. Até quando estava muito cansada, cheia de problemas, tinha forças para ouvir o outro”, ressalta.

Para Maria Rita, as Obras de Irmã Dulce dão o testemunho do amor, do serviço, da humanização e, sobretudo, da fé na Providência Divina. Nos momentos de grande dificuldade, segundo sua sobrinha, Irmã Dulce sempre repetia a seguinte frase : “Essa Obra não é minha. É de Deus. E o que é de Deus permanece para sempre”. “Hoje, quando nos deparamos com essas dificuldades, que inicialmente parecem intransponíveis, diante da grandeza da instituição, também nos apegamos no seu testemunho da fé na Providência Divina, e podemos atestar que ela estava certa no que dizia”, acredita.

Segundo a superitendente, o ano de 2019 será inesquecível para as Obras Sociais Irmã Dulce com a canonização da santa. “Para todos nós, colaboradores da OSID, é um momento de muita alegria, emoção e também de responsabilidade. Penso que muitas coisas boas podem vir em benefício da instituição, para acolher cada vez mais e melhor as pessoas mais necessitadas. Esse sempre foi o desejo de Irmã Dulce”.

Ela conta que a notícia da canonização fez aumentar o fluxo de visitantes, entre devotos, admiradores e curiosos. A OSID prevê que esse contingente deverá crescer com o incremento do Turismo Religioso na região. “Esse movimento já vem pouco a pouco se convertendo em ajuda para a manutenção da obra. Vem também trazendo uma boa visibilidade tanto nacional quanto internacionalmente. E também reforçando a importância da instituição junto aos órgãos federais, estaduais e municipais”, disse.

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Com informações e fotos da Revista Bote Fé, nº29 da CNBB.

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